Carnes ampliam ‘parceria’ entre Brasil e China

Catapultado pelo surto de gripe aviária que alvejou os EUA e pela estiagem que deteriorou as pastagens australianas, o Brasil se tornou o maior fornecedor de carnes de frango e bovina à China. E, ainda que acelerado por essas adversidades climáticas e sanitárias, o movimento está consolidando o país asiático como um dos principais mercados para os frigoríficos brasileiros.

Se somadas as vendas para Hong Kong, a controversa via de acesso ao mercado chinês, a indústria brasileira já tem na China seu maior cliente, à frente de tradicionais importadores como a Arábia Saudita e o Japão. De quebra, o Brasil conseguiu amenizar a dependência da ¬ instável Rússia no segmento de carne suína.

 

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Dados do Centro de Informações de Alfândegas da China compilados pela GHL International Consulting mostram que o Brasil foi responsável por mais de 80% da carne de frango ¬ pés de frango, sobretudo ¬ importada pelos chineses entre janeiro e maio de 2016. Pouco mais de um ano após a China reabrir seu mercado à carne bovina brasileira, os frigoríficos aqui instalados fornecem 30% do produto importado pelo país.

“Quem sabe dizer qual é o limite disso? Ninguém sabe”, entusiasma-se o vice-presidente de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin. Na avaliação dele, o fim da política chinesa do filho único sequer foi incorporado às projeções de crescimento da demanda e as previsões, já robustas, podem estar subestimadas. Pelas estimativas do Departamento de Agricultura EUA (USDA), as importações de carnes pela China crescerão 1 milhão de toneladas até 2025.

De 2015 para cá, a demanda chinesa por carne de frango até aumentou, mas o salto das exportações brasileiras teve a magnitude observada em razão do embargo que a China impôs à avicultura americana, diz Adolfo Fontes, analista do Rabobank. “Foi aí que o Brasil despontou”. No primeiro semestre, as exportações de carne de frango à China subiram quase 80%, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pela ABPA.

A explosão das vendas caiu como uma luva para a indústria brasileira de carne de frango. Explica¬ se: o chinês é um consumidor ávido por pés de frango. Sem o país asiático, seria um problema, já que pés são pouco demandados no Brasil e nos demais importadores.

Para os chineses, importar pés do Brasil também é vantajoso. Como a China praticamente não consome peito de frango, o país asiático enfrenta um “excesso de oferta de peito”, afirma o diretor ¬geral da BRF na Ásia, Simon Cheng. “O preço do peito não remunera bem a indústria chinesa”, acrescenta ele.

“Um importador chinês brincou e me perguntou se não podemos fazer frango com mais pés e menos peito”, conta o diretor-executivo das aves da JBS Foods, Ivan Siqueira. De acordo com ele, a China é o maior destino da carne exportada pela empresa. No caso da BRF, o Japão ainda é o principal cliente na Ásia, segundo Cheng.

No longo prazo, não há razões para duvidar do apetite chinês pelo frango brasileiro. “A China está mudando um pouco a sua política agrícola. Era uma ilusão pensar que resolveriam tudo sendo autossuficientes”, afirma José Carlos Hausknecht, sócio da consultoria da MB Agro.

Para a China, importar mais carne pode ser uma solução para contornar a escassez hídrica no país, acrescenta Fontes, do Rabobank. Isso não significa, porém, que a China abrirá mão da produção local. Líderes disparados em carne suína, os chineses disputam com o Brasil o segundo lugar entre os maiores produtores de carne de frango, atrás dos EUA.

Embora a demanda futura esteja assegurada, as vendas de carne de frango à China não estão livres de riscos para a indústria brasileira. O mais importante deles é a possível retomada das exportações dos Estados Unidos para a China. Cheng, da BRF, reconhece que o fim do embargo aos EUA provocaria um choque nos preços dos pés de frango. Mas ele pondera que não há uma posição concreta nesse sentido por parte do governo chinês e, mesmo que ocorra uma abertura, os abatedouros americanos seriam liberados um a um, e não de uma vez só.

Na indústria de carne bovina, o risco seria a recomposição do rebanho australiano, o que deve ocorrer ao longo dos próximos anos. No entanto, o Brasil assumiu de forma definitiva o posto de principal fornecedor aos chineses, acredita Fontes.

Além disso, a carne bovina é a proteína que vai liderar o aumento das importações chinesas até 2025, também porque é a mais complexa de ser produzida localmente. Do incremento de 1 milhão de toneladas estimado pelo USDA, cerca de 600.000 toneladas deve ser carne bovina.

Ainda assim, a indústria brasileira precisa melhorar o mix de cortes vendidos para os chineses e também vender carne “goumet”, diz o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Antônio Camardelli. Atualmente, o Brasil vende cortes menos nobres à China (coxão mole, coxão duro, dentre outros).

Para o ex-secretário de política agrícola do Ministério da Agricultura, André Nassar, a indústria brasileira deve levar em consideração que a China é um mercado que “briga muito por preço”. Diante disso, investir na promoção institucional da carne brasileira para melhorar a percepção do produto é uma necessidade. Outra possibilidade é investir em distribuição.

 

 

Fonte: Valor Econômico

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