Assistência técnica é forma de ascensão no meio rural, diz Kátia Abreu

Pouco mais de duas semanas à frente do Ministério da Agricultura, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), definiu a prioridade da pasta que comandará: dobrar o tamanho da classe média rural brasileira em quatro anos. A meta é promover a ascensão da classe D para a classe C de cerca de 800 mil produtores fornecendo-lhes rede de assistência técnica e extensão rural.

Ela marcou para março o lançamento do Planejamento Nacional de Defesa Agropecuária e pretende criar cinco Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) em regiões estratégicas do país.

Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Kátia Abreu, defendeu a criação de um conselho de cientistas, nos moldes da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), para avaliar a aprovação de defensivos agrícolas e anunciou que já escolheu o nome de Décio Coutinho para ser o secretário de Defesa Agropecuária.

Kátia Abreu é hoje uma das pessoas mais próximas da presidente Dilma Rousseff, com quem divide as agruras de um regime pelo método Ravena. Durante a entrevista, Kátia comeu um bolinho de quinoa e falou de Dilma com grande apreço. A ministra quer estar mais magra para sair bem nas fotos do seu casamento, no dia 1º de fevereiro, com agrônomo Moisés Pinto Gomes. Dilma será sua madrinha. A íntegra da entrevista:

Há uma queixa do agronegócio com o excesso de regulação trabalhista no campo. A senhora reconhece nisso um problema?

Kátia Abreu: Queremos revisar as instruções normativas do Ministério do Trabalho. A NR-31 [Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura], que é muito falada, é, em grande parte, boa, porque trata da saúde do trabalhador. Mas não é possível termos uma norma nova todo dia. As convenções coletivas não valem nada. Não falo em mexer em direitos pétreos, não é isso. Por exemplo: se chove de segunda a sexta, meu arroz está caindo, e o sol abre no sábado e domingo, o trabalhador não pode colher sábado e domingo. Eu faço o quê? No período de safra eu tenho que ‘correr’ oito horas. E os funcionários ficam doidos para chegar a safra para ganhar hora extra!

Há queixas também quanto à questão do transporte, a hora “in itinere”, não?

Kátia: Nós, do agronegócio, temos duas horas a menos, a chamada hora “in itinere’ (hora extra contada a partir do momento em que o trabalhador sai de sua residência). Das oito horas de trabalho são descontadas duas horas gastas no trajeto de casa ao trabalho. Os produtores reclamam: “Kátia, eu tenho que ter uma comida exemplar, refeitório, nutricionista, transporte e educador se tiver mais de 50 funcionários”. Ele virou empresário de ônibus, de restaurante, de hotel. Tem que ter um vaso sanitário para cada 10 funcionários, um chuveiro para cada 20. São as NRs. Mostrei essas coisas para a presidente Dilma e ela ficou impressionada. Sugeri a ela que todas as normas do trabalho passem, antes, pela Casa Civil.

O agronegócio é competitivo mesmo com exigências trabalhistas e logística precária. Qual a agenda do governo para o setor?

Kátia: Temos duas agendas no ministério: há o time dos grandes produtores rurais, não de terra, mas sim de volume, competitividade e gestão. São as classes A e B – 6% dos produtores do Brasil que detêm um terço das terras. As maiores propriedades estão no Centro-Oeste, que é onde está a agricultura de escala. Os grãos necessitam de grandes propriedades. Voltando, temos as classes A, B, C, D e E. A classe C abarca 15,4% dos produtores e a D e E, 70%. Há um detalhe: são 3,6 milhões de produtores nas classes D e E, muitos são moradores rurais e 49% deles estão no Nordeste. A presidente Dilma me perguntou: “Quantos você pensa em puxar para cima, promover ascensão social?”. A Classe D tem 1,4 milhão e é atrás deles que eu vou, sobretudo da D superior. Há muita gente que é morador rural, não é nem agricultor familiar, e muitos vivem de aposentadoria rural. Então, temos que apostar nas novas gerações do campo, com educação.

Como dar mobilidade a 1,4 milhão de produtores da classe D para a classe C?

Kátia: Estamos falando em duas estratégias: as classes A e B querem estrada, logística, melhorar a performance, querem que as regras do jogo não mudem tanto. E, como segunda parte da agenda, vamos atacar a questão da burocracia. Esse ministério vai ser um dos mais eficientes da Esplanada. Para a classe média rural vou propor para a presidente Dilma como meta levar 800 mil produtores do universo da classe D para a Classe C em quatro anos. Temos que dar uma empurrada. Na classe D, há muita pecuária leiteira. Vamos ampliar o Pronamp (Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural). O remédio aí é assistência técnica e extensão rural. Estamos fazendo um trabalho e montando um convênio com a UFRJ (Universidade federal do Rio de Janeiro). Eles vão definir os parâmetros para que o assistente técnico encontre esse pessoal. Temos que desenvolver esse mecanismo para encontrar o pessoal das classes D e E..

Não há um cadastro, um registro desse contingente?

Kátia: Aí entra em outro programa: vamos unificar o produtor, dar a ele um único “passaporte”. Hoje ele tem uns 10 números de cadastro no Incra, Banco Central, Conab, IBGE. Vamos fechar isso em uma plataforma. A plataforma de defesa agropecuária já está funcionando, mas vamos fazer um cadastro único do produtor. É preciso profissionalizar a população rural. A tecnologia já existe, só temos que levá-la ao produtor.

A ascensão social se daria apenas pelo acesso a assistência técnica?

Kátia: É o único remédio, não há outro. Se der crédito, nessa situação, eles não conseguem pagar a conta. É por isso que existe inadimplência no Pronaf (linhas de crédito para agricultura familiar). O dinheiro é muito importante, mas o produtor tem que estar preparado para recebê-lo. Ele tem que aprender a lida no campo e a administrar o negócio.

Como?

Kátia: No Pronatec são 160 horas de cursos. Propus que 40 horas sejam para curso de empreendedorismo. Vamos fazer uma rede de assistência técnica com o setor privado, público, o Sistema S e as universidades.

O objetivo da ascensão social é melhorar a competitividade?

Kátia: Aumentar a renda, melhorar a produtividade, aumentar a produção sem desmatar nenhum palmo de terra, porque são terras que precisam de melhoramento. Tem o Programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono]) onde há muito dinheiro para cumprir as metas de emissão de gases poluentes da COP 15. A ideia é mapear esse contingente rural, de porteira em porteira. Dentro do Censo Agropecuário é possível saber até o município, só não é possível saber o CPF. A previsão é que em seis meses a gente possa encontrar essas pessoas.

Qual a ação mais imediata a fazer?

Kátia: O Planejamento de Defesa Agropecuária, que quero combinar com a presidente Dilma para lançarmos em março. Temos que combater a febre aftosa, tuberculose e brucelose, peste suína clássica, gripe aviária, New Castle, salmonela no peixe, helicoverpa, mosca da carambola, mosca das frutas, ferrugem asiática, greening da laranja, mela do feijão. Só precisamos saber o custo exato para prevenir, combater, extinguir e, se tiver focos da doença, saber quanto vai custar.

Vira e mexe o governo contingencia a verba dessa área.

Kátia: Quando se ouve que foi contingenciado recurso para defesa agropecuária, ninguém sabe se realmente está contingenciado, porque não sabemos o custo. O problema não é ter febre aftosa, a crítica internacional que se faz é quanto ao comportamento no pós-crise da doença. Temos que padronizar o procedimento, que é o que mais irrita os estrangeiros.

Essa é uma área que recebe muitas críticas pela excessiva ingerência política. A senhora vai fazer mudanças?

Kátia: Vou trocar o secretário de Defesa Agropecuária, Rodrigo Figueiredo. Trouxe o Décio Coutinho, da CNA [Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil], e a sua nomeação já está na Casa Civil.

A senhora tem algum plano para a irrigação?

Kátia: Quero dobrar a área irrigada. São 30 milhões de hectares irrigáveis no país e apenas 5 milhões são irrigados. Já existe uma linha de crédito especial, mas ainda não deu tempo de ela chegar ao produtor. Queremos fazer um estudo para avaliar quatro coisas: terra boa, água disponível e suficiente, energia e estrada. As áreas com essas quatro características serão as primeiras.

Como a senhora espera resolver essa questão da grande burocracia com os agroquímicos?

Kátia: Vamos fazer um novo modelo de registro de agroquímicos. A sugestão seria uma “CTNBio dos agroquímicos”. Por que não usar a CTNBio para fazer isso? Porque cientista especialista em transgênico não é especialista em agroquímico. Essa nossa “CTNBio” terá um conselho de ministro, igual à CTNBio de fato, e cada ministério indica um cientista, não tem diária, não tem nada, só passagem aérea. Vamos dinamizar, colocar tudo à luz do dia. Esse é o modelo que estou trabalhando. As condições de infraestrutura de transportes no Brasil sempre atormentam os produtores rurais.

O que a senhora pensa para essa área, além do plano de concessões federais?

Kátia: Acima do Paralelo 16 são produzidos entre 53% e 56% de toda a soja e milho do país. Mas 80% desses grãos descem para os portos de Paranaguá e Santos e apenas 14% escoam por aqui [acima do Paralelo 16]. Temos que virar esse jogo. Com a lei dos Portos, que aprovamos, em apenas cinco dias posso escoar esses grãos pelos portos de Itaqui (MA) e Barcarena (PA). Passo pelo Canal do Panamá, que está sendo duplicado, eu vou para a China. Então, a produção do Centro-Oeste não pode descer toda para Paranaguá e Santos. Para se ter uma ideia, de Mato Grosso para o Porto de Santos saem 17 milhões de toneladas, a R$ 260,00 a tonelada o frete. Se a produção for escoada pelos portos do Norte, esse custo cai para R$ 204,00. E o Mato Grosso produz 10% da soja do mundo. Temos três rios Mississipis: Madeira, Teles Pires-Tapajós e Tocantins. Na Hidrovia de Tocantins são 1,5 mil quilômetros. A primeira licitação foi deserta, mas já estamos lançando novo edital. Do Mato Grosso ao Pará, pela BR-163, a soja chega até Miritituba, onde estão sendo construídos vários portos. A soja desce de caminhão e de lá pega a hidrovia Tapajós. Quero ver se fazemos ZPEs.

Onde?

Kátia: Queria fazer uma ZPE no Tapajós e outra no Tocantins. O Brasil tem 25 ZPEs aprovadas em lei e nenhuma funciona. A única que funciona melhor é uma no Ceará. Na minha ideia teríamos que ter uma ZPE no Rio Grande do Sul, fortalecer a do Ceará, uma em Ilhéus e as duas (Tapajós e Tocantins). São cinco ZPEs. É o que a China fez e funciona até hoje. É o que vou defender para a gente criar, mas não é aquela ZPE de Manaus não. É imposto zero para exportar, se for vender no mercado interno tem que pagar. Na minha ideia seria para grãos. A do Ceará seria para metais. Temos que fazer onde a produção está, no Matopiba [confluência entre os Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia]. Para os produtores do sul do Mato Grosso, é melhor escoar pela Ferrovia Norte-Sul, ultrapassar a Ilha do Bananal com a BR-242. O Tocantins tem que mandar calcário para o Mato Grosso, que não tem, e o Mato Grosso tem que mandar soja para o Arco Norte, porque não tem ferrovia nem hidrovia. Então as porções Centro-Oeste e Norte convergem. Tem uma parte do oeste da Bahia vai convergir para Ilhéus, mas Ilhéus você pode fazer outras coisas que não só para agricultura. Você pode fazer uma ZPE mista e outra só especializada em agro. Essas ZPEs podem ser totalmente públicas ou mistas, que eu acho ideal.

É possível ter ZPEs totalmente privadas?

Kátia: Não, porque a legislação brasileira não permite. Defendo o modelo misto, mas os empresários é que administrariam tudo. E isso demanda muito pouco investimento público. Vamos trabalhar nisso.

A senhora disse que haverá maior atenção ao mercado externo na sua gestão…

Kátia: Antes de eu vir para o ministério, o orçamento para a área internacional do Ministério da Agricultura era de R$ 11 milhões. Consegui encaminhar junto ao senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator do Orçamento, a necessidade de termos R$ 30 milhões. Isso é para a gente fazer feiras promocionais fora do país, mobilizar gente. Temos que buscar os importadores lá fora e fazê-los encontrar os exportadores do Brasil. Quando conheci a China, ouvia muito lá que eles não sabiam onde estavam os brasileiros. Perguntavam: “A gente procura quem para comprar carne?”. E o que eles [os chineses] mais reclamam é que os brasileiros vão lá uma vez e não voltam mais. O chinês tem que desenvolver uma relação emocional com você ou nada feito. Quando eles reclamam que brasileiro só vai uma vez, é porque não se faz a liga para continuarem trabalhando juntos com parceiros.

O fim do embargo chinês para a carne bovina brasileira abriu esse mercado?

Kátia: Muito pouco. A participação do Brasil na China ainda é muito pequena. Caiu o embargo, mas não significa que os chineses vão comprar a carne e vão aumentar muito as exportações. Temos que trabalhar para isso.
Uma alternativa é habilitar vários frigoríficos para exportar para a China?
Kátia: Quero abrir um “fast track” para 20 frigoríficos. Se nos derem o “fast track” para 20 plantas de bovinos, suínos e frango, estamos no céu.

Com o ajuste fiscal como fica o orçamento da Agricultura?

Kátia: Não sabemos o que vai ser, mas o Congresso deve aprovar quase R$ 4 bilhões só para o ministério e R$ 11 bilhões para todo o sistema (Embrapa, Conab). Agora, eu não tenho medo do Joaquim Levy [ministro da Fazenda] porque ele vai cortar gasto e o agronegócio é investimento. É injeção na veia da economia, então estou supertranquila. Acho que os recursos para a comercialização e seguro rural vão ficar intactos. Eu acredito que todo mundo está achando as medidas do Joaquim Levy boas.

Há gordura para cortar?

Kátia: Aqui se gastou no ano passado 47 mil passagens aéreas. Então vamos dar um “surto” de gestão.

Fonte: Valor Econômico

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