Agricultura propõe um novo modelo de seguro rural no País

Em meio ao atraso no pagamento de R$ 700 milhões em subvenções ao seguro rural, referentes a apólices contratadas em 2014, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, prepara um novo modelo para subsidiar parte do custo dos produtores rurais com a contratação de seguro de suas lavouras. Nesse novo modelo, federações de agricultura, associações do agronegócio e cooperativas teriam poder para gerenciar o uso dos recursos destinados à subvenção. Kátia presidiu por oito anos a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), sistema que representa as federações de agricultura do País.

Com o novo modelo, o objetivo é que produtores se juntem para barganhar preços, que as seguradoras possam fazer cálculos de risco mais precisos e que a oferta de seguro rural aumente. Hoje, sete seguradoras atuam nesse segmento no Brasil. Mas a proposta de “negociação coletiva do seguro rural” nasce polêmica no setor. Ainda há dúvidas se entidades de classe sindical têm estrutura para organizar dados de agricultores e se conseguem promover a expansão de seguro rural no País.

O Valor teve acesso ao projeto-piloto que a ministra pretende implantar em agosto a partir de um montante inicial de R$ 30 milhões para subsidiar o seguro de plantações de soja. O Ministério da Agricultura ofertará 12 editais, cada um de R$ 2.5 milhões em recursos para subvenção, que serão disputados pelas federações, entidades sindicais e cooperativas mediante a apresentação de listas com informações de produtores. Se der resultado, a intenção é alocar mais verbas para outras culturas. Não se sabe se, no futuro, esse modelo passará a absorver 100% do orçamento das subvenções.

Essas listas de potenciais beneficiados, que passarão pelo crivo do próprio ministério, serão submetidas a critérios como quantidade de produtores, soma da área plantada a ser amparada, histórico da produtividade de cada agricultor nos últimos cinco anos e variação dessa produtividade. Quatro federações das regiões Sul e Centro-Oeste, seguradoras, bancos e autoridades de governo ouvidos pela reportagem foram unânimes em concordar que só algumas cooperativas do Paraná teriam condições de apresentar os cadastros exigidos no novo modelo.

Cada lista deverá conter no mínimo 1.000 beneficiários (empresas ou produtores) ou uma área total de 100.000 hectares. Quem atingir as maiores pontuações se habilita para receber a subvenção. Os pesos de cada critério precisam ser definidos pelo ministério, que está analisando a viabilidade jurídica da proposta.

“Nós não temos competência para fazer essas listas, não é o nosso negócio, não tem chance de dar certo. Teríamos que ter apólices que cobrem nossas perdas na safra, não é lista que vai resolver o problema de má cobertura”, disse Rui Prado, presidente da Famato, federação de agricultura do Mato Grosso.

A Aprosoja-MT, que representa os produtores no Estado, e as federações gaúcha (Farsul) e paranaense (Faep) também dizem não ter cadastros organizados de produtores nos últimos anos.

O Valor apurou que mesmo entre as cooperativas paranaenses, que usam bastante o instrumento, há desconfiança se, mesmo com a burocracia do governo, o ministério conseguirá implantar o piloto antes de os bancos venderem apólices junto a suas seguradoras vinculadas, o que já está acontecendo.

Uma fonte da área de seguro agrícola do Banco do Brasil, líder no ramo, observa que já há tecnologia de georreferenciamento disponível no país que acompanhe o desenvolvimento das culturas, mas as federações e associações não têm capacidade para comprar a ferramenta.

O novo modelo para a subvenção ao seguro rural proposto pela ministra Kátia Abreu também vem gerando receio no agronegócio de que haja direcionamento de recursos para determinadas associações. “Vai haver muita briga entre os Estados por esses recursos”, avaliou um dirigente sindical que participou das conversas.

Entre as consultadas pela reportagem, apenas a Federação de Agricultura de Goiás (Faeg) disse já estar levantando dados de seus associados. “O governo tem que tomar cuidado para não priorizar os Estados onde há mais risco de clima, mas nas safras futuras acredito que todas as federações vão participar”, assinala Pedro Arantes, vice-presidente da Faeg.

Coamo ‘inspirou’ plano do governo para seguro rural 

O novo modelo de negociação coletiva para o seguro rural que a ministra da Agricultura Kátia Abreu e sua equipe pretendem testar em breve no país é inspirado em experiência da paranaense Coamo, maior cooperativa agrícola da América Latina, com sede no município de Campo Mourão.

A cooperativa começou a desenvolver esse modelo em 2007 e levou cerca de sete anos para formatá-lo nos moldes em que funciona hoje, com cinco seguradoras com as quais negocia as demandas de seus 27.700 cooperados a cada safra agrícola.

O plano do governo, porém, prevê a implementação do modelo em nível nacional no prazo de até três anos, por meio de entidades sindicais que não têm governança de grandes empresas, apontam algumas seguradoras.

As apólices contratadas pela Coamo junto a seguradoras como Swiss Re, Banco do Brasil/Mapfre e Allianz cobrem perdas de produção causadas por intempéries como geada e granizo, levam em conta produtividade dos agricultores nos últimos cinco anos e sempre são feitas com operações de crédito vinculadas. Cobrem até 70% da produtividade dos cooperados.

Segundo o presidente da Coamo, José Aroldo Gallassini, a iniciativa de negociar com várias seguradoras veio da necessidade de buscar apólices adequadas para cobrir a média de produtividade no Estado, de 60 sacas por hectare para a soja, maior que o padrão usado pelas empresas de seguro para calcular os riscos.

“Como temos um cadastro organizado dos cooperados de produtividade de vários anos anteriores, negociamos grandes volumes de seguro e isso faz com que o prêmio seja mais reduzido”, afirmou Gallassini. “Hoje já conseguimos fazer as seguradoras nos cobrarem taxas de 1,4% a 2,8% do custeio da área plantada. Em outras cidades, essa taxa é de 3,6%”, conclui.

“A cobertura de seguro pode melhorar muito onde há cooperativas, em cidades que só têm sindicatos já é mais complicado”, acrescenta Gallassini. A expectativa da Coamo é que 353.000 hectares de área plantada com soja e milho por seus cooperados sejam cobertos por seguro rural na safra 2015/16. “Se os sindicatos aperfeiçoarem seus cadastros, é possível baixar as taxas”.

Fonte: Valor 

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp