Abelhas aumentam produção de algodão nas proximidades de matas nativas

Pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Carmen Pires realiza estudo com abelhas em campo
Pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Carmen Pires realiza estudo com abelhas em campo

 

O cultivo de algodão nas proximidades de matas nativas secundárias de florestas nativas que recebem visitação de abelhas pode produzir maior porcentagem de fibras, mais sementes por fruto e apresentar maior produtividade, se comparado com plantios que não tiveram o contato com esses insetos. É o que comprova um estudo do Projeto Rede de Pesquisa de Polinizadores do Algodoeiro do Brasil.

Os testes foram feitos em uma fazenda comercial de quase cinco mil hectares de lavoura de algodão convencional, no município de Sinop, no Estado de Mato Grosso; e em duas pequenas propriedades da agricultura familiar, no Estado da Paraíba, em que se planta algodão orgânico.

Bióloga e pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Recursos Genéticos e Biotecnologia, Carmen Pires relata que a produção do algodoeiro não depende da polinização feita pelos insetos, como é o caso do cultivo de maracujá, mas pode se elevar conforme aumenta a visitação de abelhas às flores do algodoeiro. Ela afirma que a produtividade (kg/hectare) pode aumentar se o algodoeiro estiver perto de vegetação natural onde esses insetos vivem.

“Em um estudo feito entre os anos de 2011 e 2012 em um plantio orgânico foi constatado que as flores do algodoeiro visitadas pelas abelhas tiveram um desempenho médio melhor em comparação àquelas não polinizadas por elas: de 12% a 16% no peso da fibra, em torno de 17% mais sementes por fruto e 18% a mais de produtividade.”

A especialista detalha que, para fins de comparação, foi feita uma análise em uma propriedade rural onde o algodoeiro é produzido convencionalmente em larga escala e, utilizando um protocolo proposto pela FAO, avaliou-se a presença de abelhas e a produção em parcelas localizadas perto (menos de 200 metros) e distante dois quilômetros de qualquer fragmento de mata. Pires coordenou os testes em campo ao lado do pesquisador e engenheiro agrônomo Fernando Amaral da Silveira, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“Confirmamos o aumento da produção de fibra e de sementes. Para demonstrarmos isto, verificamos a associação entre a produção e a quantidade de espécies e de indivíduos de abelhas em diferentes parcelas dentro dos campos de algodão. Várias espécies de abelhas são capazes de polinizar a flor do algodoeiro, sendo que algumas são mais eficientes do que outras”, explica Silveira.

Uma conclusão interessante, conforme o pesquisador, é que o benefício das abelhas é maior quando há uma maior variedade de espécies (tipos) de abelhas presentes nas flores.

“Isto provavelmente se dá porque diferentes espécies têm diferentes tamanhos e, também, comportamentos diferentes enquanto estão na flor e sua ação é complementar”, salienta o agrônomo.

 

OS TESTES

Carmen explica que na fazenda comercial, em Sinop, foram estudadas a diversidade e a densidade das abelhas que visitaram o algodoeiro. Depois foram feitas coletas de amostras, contagem de sementes e averiguação da qualidade da fibra do algodão.

“No plantio convencional, levando em conta a presença de apenas cinco espécies diferentes de abelhas, percebemos um incremento médio de 17,77% de sementes e 18,44% de aumento da produção”, informa.

Segundo a bióloga, o estudo serviu para avaliar a importância das abelhas silvestres para produção de algodoeiro convencional e orgânico. Em Mato Grosso, o teste foi realizado no bioma amazônico e na Paraíba, no bioma Caatinga.

“Como as propriedades orgânicas localizadas na região das unidades da Caatinga eram pequenas e, portanto, rodeadas de vegetação, não pudemos aplicar o mesmo protocolo usado em Sinop (parcelas perto X parcelas longe de mata). Assim, nós isolamos algumas flores do algodoeiro (polinização espontânea) para que não tivessem contato com as abelhas e deixamos outras flores abertas durante 24 horas para que recebessem a visitação das abelhas (polinização aberta). Nas duas unidades da agricultura familiar paraibana, verificamos um incremento médio de 17% de sementes e de 12% da produção nas flores que foram visitadas pelas abelhas”, ressalta Carmen.

 

“Embora mudanças drásticas no sistema de cultivo sejam difíceis de fazer, é preciso que o agricultor tenha a preocupação de minimizar seus impactos ambientais, procurando mudanças progressivas que o levem a um sistema mais amigável para o ambiente”, diz Fernando Amaral da Silveira
“É preciso que o agricultor tenha a preocupação de minimizar seus impactos ambientais”, diz Silveira

 

BENEFÍCIOS

Para que o agricultor se beneficie do trabalho das abelhas nas flores é necessário que ele adote práticas que favoreçam sua conservação. Trazer abelhas para o campo é uma prática onerosa e nem sempre eficiente, ressalta Silveira.

“A única espécie de abelha para a qual temos técnicas de manejo, que nos permitem criar populações abundantes e que podemos transportar de um lado para outro, é a abelha melífera (africanizada, europa etc). Contudo elas não são polinizadoras tão eficientes do algodoeiro (embora ajudem de alguma forma) e são muito suscetíveis aos pesticidas empregados pelos agricultores. Nas condições de hoje, instalar uma colmeia de abelhas próximo a um algodoal é condená-la à morte em poucas semanas. O mais importante, portanto, é cuidarmos da conservação das espécies nativas da região, muitas delas as polinizadoras mais eficientes do algodoeiro.”

Para que os polinizadores nativos sejam conservados, explica o agrônomo, é preciso preservar áreas cobertas por vegetação nativa nas proximidades dos campos cultivados. Isto porque as abelhas são mais abundantes e diversificadas (mais espécies diferentes) perto das áreas de mata do que em pontos mais distantes. Segundo ele, isto já foi verificado por outros autores em outras culturas também.

“É nessas áreas, onde não há trânsito de máquinas e o impacto dos pesticidas é menor, que as abelhas vão encontrar locais para construir seus ninhos e flores com alimento para consumirem enquanto as plantas cultivadas não estão em flor. Além de vegetação natural em torno da cultura, um arranjo em que faixas de vegetação natural entrassem nos campos cultivados, a cada 500 metros mais ou menos, também poderia facilitar a sobrevivência de polinizadores (inimigos naturais das pragas), permitindo que o seu trabalho de polinização se fizesse de forma mais homogênea em todo o campo”, explica Silveira.

O pesquisador também ressalta outro cuidado: o uso responsável de defensivos agrícolas, que são a principal causa de mortalidade para as abelhas, principalmente quando as pulverizações são feitas enquanto o algodoeiro está em flor.

“Neste aspecto, é bom chamar atenção que em áreas de cultivo orgânico, onde os pesticidas não são usados e em que há muito mais vegetação natural próximo aos campos cultivados, existem muito mais espécies de abelhas presentes e elas são, também, muito mais abundantes. Nessas áreas, o benefício dos polinizadores é ainda maior do que nos cultivos convencionais extensivos do Mato Grosso. É preciso, portanto, que busquemos formas menos agressivas de produção do algodão”, alerta.

Silveira salienta que, atualmente, as condições de plantio do algodoeiro em Mato Grosso “não são muito amigáveis para as abelhas”, como não são também para outros componentes do ambiente.

“Embora mudanças drásticas no sistema de cultivo sejam difíceis de serem feitas, é preciso que o agricultor tenha a preocupação de minimizar seus impactos ambientais, procurando mudanças progressivas que o levem a um sistema mais amigável para o ambiente. No final, em longo prazo, os agricultores serão os principais beneficiados por um ambiente saudável.”

 

Por equipe SNA/RJ

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