A Lavoura destaca: melão que iria para o lixo é alternativa à maçã na indústria de bebidas

Pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical, o engenheiro de alimentos Raimundo Marcelino da Silva Neto mostra base de melão clarificado, desaromatizado e concentrado, que pode ser utilizado pela indústria de bebidas. Foto: Verônica Freire/Divulgação Embrapa

Um suco-base feito de melão, para uso na indústria de bebidas, é uma das alternativas propostas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para reduzir o desperdício dessa fruta. O produto concentrado não apresenta gosto e aroma de melão e pode ser empregado pela indústria como base para a produção de sucos mistos, néctares e outras bebidas.

Hoje, esse papel é da maçã, principal matéria-prima de sucos-base das mais diversas bebidas com frutas. A proposta também é substituir água e açúcar por uma base mais saudável. A estatal. agora, busca parceiros para a validação da tecnologia em escala industrial.

O produto pode ser muito útil para reduzir o desperdício de melão. Em 2015, as perdas chegaram a 37% do total produzido, com base no último levantamento da produção feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Uma boa parte do total não foi aproveitada por problemas puramente estéticos: manchas na casca, tamanho menor que o habitual ou formato irregular. Apesar de rejeitados pelos consumidores, esses melões, que mantêm intactas suas propriedades nutricionais, acabam indo para o lixo.

O engenheiro de alimentos Raimundo Marcelino da Silva Neto, pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical (CE), explica que a indústria utiliza largamente o suco-base de maçã, uma fruta de clima temperado, para a produção de blends, néctares e outros produtos com diferentes sabores.

DESENVOLVIMENTO DO SUCO-BASE

O desenvolvimento do suco-base de melão oferece alternativa para o aproveitamento de uma matéria-prima proveniente da agricultura tropical. A tecnologia foi desenvolvida em parceria com a Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com o Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), da França.

“Boa parte do melão fica no campo devido a defeitos no aspecto visual. Não passa nos padrões de consumo e, muito menos, nos de exportação. Essa seria a matéria-prima para a produção dessa base clarificada, desaromatizada e concentrada entre 68º a 70º Brix (percentagem em massa dos sólidos solúveis presente no suco)”, explica Neto.

Ele ressalta que alguns países na Comunidade Europeia concedem incentivos fiscais para produtos sem adição de sacarose. Dependendo do processamento empregado na indústria, o suco-base de melão mantém nutrientes como vitaminas e açúcares (glicose, frutose e alguma sacarose) e ácidos naturais presentes na fruta.

A tecnologia usa microfiltração tangencial por membranas para a clarificação. “Otimizamos a tecnologia com adição de enzimas para aumentar o rendimento do processo”, salienta Neto.

AROMA

Para extrair o aroma são aplicadas resinas que capturam os compostos voláteis presentes no suco. Em seguida, o produto é concentrado a vácuo. O suco concentrado é denso, com uma coloração semelhante ao caramelo e deve ser diluído na indústria.

“Como é concentrado, não haverá o transporte de água, o que reduz custos de logística. Isso favorece também a conservação, porque é possível manter em temperatura ambiente ou no máximo em refrigeração”, afirma Marcelino Neto.

A tecnologia empregada para a produção do suco-base de melão também será testada em outras frutas tropicais como caju e banana. Segundo Marcelino Neto, é possível desenvolver diferentes produtos, combinando as tecnologias para retirar ou preservar o sabor, produzindo misturas com características desejadas.

SETE MIL HECTARES JOGADOS FORA

Em 2015, o Brasil perdeu 195 mil toneladas de melão, o correspondente a 37% do total produzido. A produção correspondente a uma área de sete mil hectares cultivados foi perdida.

De acordo com a Embrapa, não é possível determinar o que ficou no campo, o que se perdeu no transporte, o que estragou no supermercado ou o que foi para o lixo doméstico, mas é certo que 37% dessa produção foram perdidos.

“Nós estamos usando ‘perdido’ no sentido literal da palavra. Não sabemos onde estão. Não existem dados oficiais que nos permitam saber o que foi feito. Sabemos que a indústria nacional do melão é muito pequena”, diz o pesquisador Ebenezer de Oliveira Silva, que atua na área de tecnologia pós-colheita da Embrapa Agroindústria Tropical.

No caso do melão, a grande perda ocorre na cadeia de comercialização – é a chamada perda cosmética. “Frutos com pequenas deformações e que são jogados fora porque o consumidor não vai comprar aquilo. Por causa do alto padrão de qualidade exigido pela população, muito do que é produzido é jogado fora”, lamenta o cientista.

PERDAS PÓS-COLHEITA

Países em desenvolvimento, como o Brasil e o México, apresentam tanto perdas por falta de infraestrutura, quanto as consideradas perdas cosméticas.

“Nossa estrutura de pós-colheita não é suficiente o bastante para suportar as grandes produções de frutas que temos. Associado a isso, há uma classe média desenvolvida muito grande, o que repercute em um alto índice de perda cosmética”, esclarece Silva.

Uma das estratégias da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) para redução da fome e garantia da sustentabilidade é minimizar as perdas pós-colheita de frutas e hortaliças. A outra é aproveitar o que seria perdido na indústria, o que vai ao encontro da proposta do suco-base desenvolvido pela Embrapa.

“Uma das maneiras de reduzir as perdas pós-colheita é criar tecnologias para o processamento, dando uma outra utilização ao fruto. A indústria do melão no Brasil é muito pequena, por isso acreditamos que essa tecnologia poderia dar um ganho tanto para a indústria quanto para os produtores”, diz.

Para o pesquisador, a proposta de aproveitar melão como suco-base é interessante para reduzir as chamadas perdas cosméticas.

“São melões de alta qualidade, que, por não atingirem alta exigência para os padrões de mercado, podem ser utilizados na industrialização. Para produzir, por exemplo, um suco concentrado e desaromatizado que poderia ser um ingrediente para a indústria de alimentos, principalmente indústria de sucos e outros”, acredita.

De acordo com ele, é necessário observar também outras possibilidades de industrialização. Já existe em alguns países o aproveitamento do melão para a produção de cremes hidratantes e protetores solares.

“Uma alternativa seria descobrir quais são as substâncias ativas no melão e desenvolver insumos para a indústria brasileira de cosméticos”, propõe.

O especialista ainda alerta que existem várias possibilidades de usar melão como produto, “mas o de maior volume, seria o suco concentrado”.

DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS É DESTAQUE DA REVISTA A LAVOURA

Na edição nº 711/2016, a Revista A Lavoura, veiculada há 120 anos pela Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), divulgou uma reportagem especial sobre o desperdício de alimentos no Brasil e no mundo.

Os números, que ainda impressionam, poderiam ser reduzidos com mais tecnologia em campo, melhor infraestrutura e logística de pós-colheita e de transporte, além da participação da sociedade como um todo. Clique aqui e leia gratuitamente!

Para assinar nossa publicação, envie um e-mail para assinealavoura@sna.agr.br ou acesse www.sna.agr.br/publicacoes/a-lavoura.

Fonte: Embrapa Agroindústria Tropical com edição d’A Lavoura

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