Autoridades do agro avaliam perda de autonomia e recursos pelo Mapa

O presidente da Abramilho, Alysson Paolinelli,
O presidente da Abramilho, Alysson Paolinelli, diz que Mapa se tornou ‘um ministério de moeda de troca política’

 

Segundo matéria do Valor e do Portal Transparência, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento tem registrado perdas no orçamento e aumento na folha de pagamento com funcionários.  De R$ 4.2 bilhões, em  2010, recuaram para R$ 3.3 bilhões, em 2013. Para 2014, estão previstos R$ 4,1 bilhões, segundo o Projeto de Leis Orçamentárias (PLO).

Lideranças do setor creditam o enfraquecimento da Mapa à perda de setores que deram origem aos novos ministérios, a problemas no orçamento e à gestão confusa de políticas públicas, atrelada a outros órgãos.

De acordo com Alysson Paolinelli, ex-ministro da Agricultura e presidente da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho), na gestão do Fernando Henrique, o Mapa perdeu o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério do Desenvolvimento Rural. No governo Lula, ficou sem o Ministério da Pesca. Depois, o da Reforma Agrária. “Resumindo, o órgão, que administrei na década de 70, foi dividido em quatro e totalmente destruído. Dos quatro, foi justamente ele que ficou fraco”, analisa.

“Quando Lula entrou no governo, buscou a pessoa mais competente para recompor o Ministério, mas não deu o apoio que ele precisava para realizar a tarefa de recomposição do órgão, que é o nosso querido Roberto Rodrigues. Depois dele, veio o Luis Carlos Guedes Pinto, foram os últimos pertencentes ao setor que administraram a pasta.”

Paolinelli afirma que, depois disso, o Mapa se tornou um ministério de moeda de troca política. “O governo passou a fornecer a chefia da pasta para os partidos que o apoiam e, de lá para cá, a coisa vem degringolando. Perdeu não só as funções inerentes aos setores que dele foram extraídos, mas também instrumentos valiosíssimos que lhe eram indispensáveis.”

Primeiro, o presidente da Abramilho chama a atenção para a época em que era ministro, quando o Mapa participava e tinha voz ativa no Conselho Econômico . “Era o Ministério que mais absorvia recursos da União. Depois, começou a sofrer perdas, como, por exemplo, o pessoal na área de planejamento especialmente, a parte de suporte ao crédito rural, ficou,também, sem a Embrater (Empresa Brasileira da Assistência Técnica e Extensão Rural). A Embrapa passou por 24 anos de apagão científico, só não morreu pela competência que ela tem. Tudo isso foi um desmembramento tenebroso e, a cada ano, havia a diminuição do orçamento proporcional ao da União”, enfatiza.

Outro instrumento de grande valor que o Mapa perdeu, na opinião de Paolinelli, foi o comando do crédito rural. “Hoje o Ministério não tem como controlar, o governo passou o controle do crédito rural paras financeiras. Ora, é como entregar as galinhas para a raposa tomar conta. A área financeira não quer risco, quer lucro, é incompatível com os objetivos do órgão que, infelizmente, não tem ninguém mais para acompanhar isso, o comando do processo e as principais políticas públicas”, reclama.

Além disso, segundo Paolinelli, desde que perdeu a Conta Movimento, o preço mínimo não funciona mais, passou a ser fictício. “Começaram a usar subterfúgios para tentar tapear as ações que o governo tem que tomar, obrigado por leis.  Essas experiências foram danosas, os juros altíssimos”, avalia ele, que acrescenta: “O que o governo faz, hoje, em relação à Nota do Produtor Rural e outros, é um assalto. Tem bancos oficiais cobrando 8% de seguro de uma nota. Eu não concordo com isso.”

O presidente da Abramilho desabafa: “Hoje, o Mapa não tem dinheiro nem instrumentos e está mais fraco em recursos. Tem tarefas, mas não possui competência para realizá-las. A mais grave, a meu ver, é a defesa sanitária vegetal e animal”. Em sua avaliação, o Brasil está passando por uma fase perigosíssima, cresceu muito no mercado internacional pela competência de seus produtores e não teve o apoio governamental, nem na infraestrutura para atender o crescimento de demanda, estradas, ferrovias, hidrovias, como também não possui os recursos e os instrumentos para manter esse grande esforço por parte dos agricultores. “Podemos perder, por incompetência, o mercado internacional em função da má atuação governamental no que diz respeito à mobilidade, padronização, participação dos produtos que nós produzimos. Eu acho isso muito perigoso. Eu acho que o Ministério da Agricultura vive um caos”, preconiza.

 

Gestão de políticas públicas é 'confusa' na opinião do presidente da SNA. Foto: Raul Moreira
Gestão de políticas públicas é ‘confusa’ na opinião do presidente da SNA. Foto: Raul Moreira

 

Para Antonio Alvarenga, presidente da SNA, um dos maiores problemas do agronegócio brasileiro é a confusa gestão das políticas públicas. “Temos um Ministério da Agricultura fraco. Grande parte das decisões relativas ao setor está subordinada a outros órgãos sem integração ou sinergia entre as ações governamentais”, salienta.

Alvarenga lembra que a política econômica voltada para o agro é da alçada dos ministérios da Fazenda e do Planejamento; infraestrutura é conduzida pelos ministérios dos Transportes e dos Portos; a agricultura familiar está sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário; o recém-criado Cadastro Ambiental Rural está submetido à esfera do Ministério do Meio Ambiente; a criação de peixes está subordinada ao Ministério da Pesca; o setor sucroalcooleiro tem sua atuação pautada pelo Ministério de Minas e Energia; a irrigação está subordinada ao Ministério da Integração Nacional; as exportações de produtos do agronegócio são conduzidas no âmbito da pasta de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; as demarcações de terras indígenas são tratadas pela Funai.

“Como se vê, são inúmeros órgãos, com as mais diversas interferências políticas, que dificultam a interlocução do agro com o governo”, analisa.

 

Roberto Rodrigues diz que desmoronamento do Mapa era iminente
Segundo Roberto Rodrigues, encolhimento do Mapa mostra desprestígio do setor perante o governo

 

Na opinião de Roberto Rodrigues, coordenador da GV Agro/Fundação Getulio Vargas e ex-ministro da Agricultura, o problema orçamentário do Ministério da Agricultura se insere num contexto um pouco mais amplo de desprestígio do setor perante o governo como um todo.

“Embora tenhamos num orçamento do Plano Safra, no ano passado, um incremento substancial em investimento na armazenagem e, também, no seguro rural, na realidade, o dinheiro do armazém quase não saiu e, também, a verba destinada ao seguro rural continua até agora sem ser gasta adequadamente. Sem falar o pouco recurso do Plano Programa ABC, que é um programa fundamental para o Brasil”, observa. “O desprestígio da agricultura dentro do governo se traduz, entre outras coisas, também nessa questão orçamentária”, resume.

 

Cesario Ramalho:
Cesario Ramalho: desmantelamento do Mapa ao longo dos anos é latente

 

“A Rural vem denunciando há tempos que Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) está completamente desestruturado”, afirma Cesario Ramalho da Silva, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). Segundo ele, o órgão tem perdido importância política, autonomia e precisa com urgência retomar poder. “A pasta perdeu interlocução no Palácio do Planalto e na Casa Civil e vem sendo alvo de um processo de aparelhamento político marcado pela substituição de profissionais de caráter técnico e com respeitável trajetória na pasta por indivíduos ligados a grupos econômicos específicos. Esta manobra, que atinge principalmente o segundo escalão do Mapa, fere a autoridade do Ministério, e retira da pasta a autonomia para selecionar o seu próprio grupo de técnicos”, observa.

De acordo com Ramalho, apesar de recentemente “termos ótimos ministros”, “o desmantelamento da pasta da Agricultura ao longo dos anos é latente”. A verdade, explica, é que o Mapa vem perdendo autonomia, função estratégica, poder político e recursos, e “as recentes trocas acentuam ainda mais esta delicada situação”.

O presidente da SRB lembra que profissionais que estão sendo substituídos foram, por exemplo, responsáveis por conquistas de mercados internacionais para produtos agrícolas brasileiros. “A saída destes profissionais compromete acordos já existentes e ameaça futuros, porque o aparelhamento político coloca nos cargos pessoas sem bagagem técnica, tirando legitimidade e credibilidade de suas decisões junto a parceiros comerciais”, destaca ele, acrescentando que “o Ministério da Agricultura não pode ficar à mercê de grupos de interesse, devendo servir, sim, a todo o agronegócio brasileiro, e consequentemente ao país”.

A assessoria de imprensa do Mapa foi procurada, mas até o fechamento desta matéria não houve retorno.

 

Equipe SNA/SP

 

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